7 de fevereiro: Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas

Esta importante data, muitas vezes esquecida, deve ser lembrada sempre.
A data evoca o ano de 1756, quando Djekupe Aju, ou Sepé Tiaraju, principal liderança do povo indígena mbya guarani dos Sete Povos das Missões, foi assassinado pelos invasores europeus, depois de ser cruelmente torturado, durante as guerras guaraníticas.
Após várias tentativas de buscar um meio pacífico de evitar a guerra, Sepé liderou a resistência dos guaranis contra a invasão de portugueses e espanhóis, com uma frase que faz parte da história do Brasil e da luta dos povos indígenas até hoje: “Ko yvy ha jara”, cuja tradução e adaptação do guarani para o português significa “Esta terra tem dono!”. Contudo, é necessário considerar que o termo “jara”, no idioma guarani, quer dizer “guardião”.
A data foi criada pelo Decreto Presidencial nº 11.696 de 2008, para reconhecer o valor da luta dos povos indígenas por seus territórios, paz e respeito à diversidade étnica, como essenciais na História do Brasil, das Américas e na formação de seus países e sociedades.
Conforme nos ensina o pesquisador indígena mbya guarani Daniel Iberê Alves da Silva, doutorando em antropologia pela Universidade de Brasília (UnB), ela foi instituída “para dar visibilidade a essa luta cotidiana, repleta de derrotas, em defesa das causas dos povos originários, que têm enfrentado uma série de todo tipo de atrocidades, praticadas por quase todos os governos. (...) Não é uma data de comemoração de conquistas que conseguimos olhando para o passado. É uma data que marca a nossa resistência. Rememora os muitos processos de resistência, luta e das muitas perdas que temos tido ao longo desse caminho”.
Ainda, segundo ele, “quando a gente fala de terra e território em todos os sentidos que essas palavras têm, para nós [indígenas], a terra é a nossa grande mãe. Quando o colonizador chegou perdido, achando que havia chegado na Índia, eram poucos, desnutridos, sem alimentação. Nós os alimentamos, demos de comer, e os tratamos como um igual. Mas ele tinha sede por território e observava a terra como objeto e até hoje essa sede não foi saciada”.
Embora a terra não pertença a ninguém e que nós humanos é que pertençamos à ela, desde o início da invasão europeia no século XVI, os povos indígenas, legítimos e ancestrais “donos” do território invadido, que foi denominado Brasil pelos invasores, até os dias de hoje, resistem à invasão e à cobiça de suas terras e lutam por elas e por suas próprias vidas.
Hoje, os povos indígenas seguem lutando, não somente pelos seus territórios ancestrais e sagrados, contra seu extermínio, mas, sobretudo, pelo direito à dignidade, à sua autodeterminação, à saúde, educação, alimentação, vacinação e a todos os direitos fundamentais da pessoa humana, bem como, para manter suas culturas, tradições, rituais, cosmogonias e biomas preservados, visando garantir o futuro das atuais e futuras gerações.
O dia 7 de fevereiro marca e representa essa resistência histórica com coragem e luta.
Quem foi Djekupe Aju, o Sepé Tiaraju?
Foi um guerreiro indígena da etnia mbya guarani que nasceu na primeira metade do ano de 1720, em uma das aldeias das áreas controladas pelos jesuítas espanhóis, que faziam parte dos Sete Povos das Missões, onde hoje é o Rio Grande do Sul. Sepé Tiaraju liderou a resistência dos guaranis durante as Guerras Guaraníticas e é lembrado por sua coragem e sabedoria, tornando-se uma referência histórica da luta indígena por território e liberdade.
No século XVIII, juntamente com seu povo e com povos de outras etnias, ele enfrentou e venceu várias batalhas contra as tropas dos invasores de Portugal e Espanha, que tentavam estabelecer fronteiras e o domínio sobre suas terras, conforme determinava o Tratado de Madri, assinado em 1750 pelos dois países.
Sepé Tiajaru foi batizado e catequizado pelos padres jesuítas, recebendo deles o nome de José Sepé Tiarayú, tornando-se um indígena cristão. E, devido a vários feitos e milagres atribuídos a ele pelo povo da região, após a sua morte, em 2018, a Congregação da Causa dos Santos, um órgão do Vaticano, concedeu a Sepé Tiajaru o título de "Servo de Deus", que é a primeira etapa e a abertura oficial do processo de canonização, pelo qual uma pessoa precisa passar para ser oficialmente reconhecida como "santa" pela Igreja Católica.
Tiaraju era bem letrado e muito respeitado por ser considerado muito culto, inteligente, estratégico e experiente em batalha. No entanto, em 7 de fevereiro de 1756, Sepé Tiaraju foi capturado e covardemente ferido por uma lança, em uma emboscada, onde hoje é o município de São Gabriel, no Rio Grande do Sul. Segundo relatos dos sobreviventes da época, Sepé, ainda vivo, foi queimado com pólvora e torturado horrivelmente, até morrer decapitado e ter sua cabeça levada como prova de sua morte.
Como acontece até hoje, ele foi um entre milhões de indígenas brutalmente mortos, lutando por suas próprias vidas, seus povos e territórios, ao longo de nossa história.
Os Sete Povos das Missões e as Guerras Guaraníticas
Sete Povos das Missões foi uma extensa área localizada onde hoje se encontra o estado do Rio Grande do Sul, a leste do rio Uruguai, formada por sete povoações indígenas, chamadas de missões ou reduções jesuíticas, onde viviam aproximadamente 30 mil guaranis.
O povo guarani que ali se estabeleceu prosperou, tornando-se econômica e estrategicamente muito forte na região. Porém, todas as reduções estavam sob a administração e o controle de padres espanhóis da Companhia de Jesus, jesuítas que sempre estiveram à serviço da coroa de Espanha.
O território se encontrava em uma região de frequentes litígios entre Portugal e Espanha, até que em 1750, com a assinatura do Tratado de Madri, passou ao domínio português. O tratado delimitava as fronteiras entre os territórios coloniais espanhol e português, na América do Sul e determinava a retirada da população guarani que ali vivia há quase dois séculos.
Os luso-brasileiros tinham grande interesse na expulsão e extermínio dos guaranis em razão de suas ricas e extensas terras, com lavouras, algodoais e seu grande rebanho de gado, o maior das Américas. Por outro lado, os guaranis conhecidos como missioneiros, respaldados e apoiados pelos jesuítas espanhóis, decidiram impedir a demarcação da fronteira, permanecer em suas terras e manter as sete povoações. Resistir ao tratado era um direito legítimo de continuarem em seu território, onde sempre viveram em paz.
Portugal e Espanha não aceitaram tal decisão e resolveram se unir contra os guaranis de Sete Povos das Missões, enviando tropas espanholas e luso-brasileiras ao local, com o objetivo de cumprir o Tratado de Madri. Como consequência, as Guerras Guaraníticas, também conhecidas como a Guerra dos Sete Povos, começaram e aconteceram entre 1753-4 e 1756.
Em 1754 os padres jesuítas espanhóis, com algumas exceções, abandonaram as missões, os guaranis e entregaram as terras à coroa portuguesa. Contudo, os guaranis seguiram lutando por seus territórios e tiveram o apoio dos Charruas, Guenoas e Minuanos, entre outros grupos e povos indígenas, que se uniram aos guaranis contra os colonizadores.
No início dos confrontos espanhóis e luso-brasileiros lutaram sozinhos e sofreram sucessivas derrotas para os guaranis. Em dezembro de 1755 suas tropas passaram a combater juntas visando capturar Sepé Tiaraju.
Após sua captura e assassinato, dois meses depois, a luta prosseguiu até que na batalha de Caiboaté, em 10 de fevereiro de 1756, 3 mil soldados espanhóis e portugueses, com um poderio bélico muito maior, promoveram o massacre de aproximadamente 1500 indígenas. Nos dias seguintes, os invasores tomaram e renderam quase todas as povoações. Exceto uma se rendeu e em maio de 1756 o último combate aconteceu em São Miguel, pondo fim às guerras guaraníticas. Por fim, o tratado foi anulado e a posse da região ainda seria negociada através dos Tratados de Santo Ildefonso em 1777 e de Badajoz em 1801.
Povos Indígenas no Escola Games
E depois de sabermos mais sobre o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, professores, pais e estudantes estão convidados a testarem seus conhecimentos, no desafiante ‘QUIZ DOS POVOS INDÍGENAS’, no site do Escola Games. Para explorar e percorrer uma jornada incrível por suas histórias, etnias, culturas, conhecimentos e nossas heranças ancestrais, além de descobrir as consequências da colonização europeia sobre eles.
Vamos aprender sobre seus costumes, suas expressões artísticas únicas e os desafios atuais para que estes povos, tão essenciais para a vida do planeta, continuem existindo, com respeito e dignidade. Para enxergarmos longe um futuro com respeito e harmonia, sem os preconceitos e conflitos que ainda ameaçam a existência destes povos.
Como já disse Ailton Krenak, o primeiro Imortal Indígena da Academia Brasileira de Letras: “O Futuro é Ancestral.”
REFERÊNCIAS:
Decreto Lei Nº11.696, 12 de junho de 2008. - L11696
Sepé Tiaraju, o chefe indígena que enfrentou portugueses e espanhóis
Os Guarani e a história do Brasil meridional: séculos XVI-XVII
Os Sete Povos das Missões - Toda Matéria
SETE POVOS DAS MISSÕES - Sites - Portal das Missões
MONTEIRO, John Manuel. Os Guarani e a História do Brasil Meridional (séculos XVI-XVII). In CUNHA, Manuela Cordeiro da (org.). História dos Índios no Brasil, São Paulo: Cia das Letras, 1992.
GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica. Como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul (1750- 1761). Porto Alegre: Editora da Universidade, 1999.
___. A Guerra Guaranítica. O levante indígena que desafiou Portugal e Espanha. Editora Terceiro Nome, s/d.
VIEIRA, Alexandre. Pensamento político na Guerra Guaranítica: justificação e resistência ao absolutismo ibérico no século dezoito. Tese de Doutorado em História, Universidade Federal de Santa Catarina, 2005.
São Sepé, o Tiarajú, e o apagamento dos indígenas da memória da formação do RS. Revista IHU On-Line. Instituto Umanitas Unisinos. 31 julho 2017
Sepé Tiaraju, 259 anos: Memória viva. Entrevista especial com José Roberto de Oliveira e Alex José Kloppenburg
Sepé Tiaraju, o índio, o homem, o herói (em quadrinhos). Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010.